Dora Bruder
Autor: Patrick Modiano
Título original: Dora Bruder
Tradução: G. Cascais Franco
Editora: Porto Editora
N.º de páginas: 111
ISBN: 978-972-0-04721-2
Ano de publicação: 2015
Ao anunciar a atribuição a Patrick Modiano do Prémio Nobel de Literatura de 2014, a Academia Sueca elogiou-lhe «essa arte da memória com a qual evocou os destinos humanos mais inacessíveis e nos revelou a vida quotidiana sob a Ocupação». Se há uma obra do escritor francês que corresponde a esta síntese é Dora Bruder, um livro de 1997, agora reeditado em português, sobre o inacessível destino humano de uma jovem judia, desaparecida numa Paris sob o jugo das tropas de Hitler.
Na edição de 31 de Dezembro de 1941 do jornal Paris Soir, os pais da rapariga pediam «todas as indicações» possíveis sobre o paradeiro de «Dora Bruder, 15 anos, 1,55 m, rosto oval». Meio século mais tarde, Modiano tentou responder ao anúncio. Quem era ela? Por onde andou? O que lhe aconteceu? Obcecado por esta figura esquiva, o escritor procurou-a em todo o lado: nos arquivos, nas repartições, nos dédalos da burocracia. Uma investigação difícil, um exercício moroso, um ofício de paciência: «É preciso muito tempo para que ressurja à luz aquilo que foi apagado». Na sua demanda, encontra alguns registos, ofícios e relatórios que sinalizam uma existência fugaz, mas são muito mais as lacunas, as incógnitas, as portas «cujo número ignorarei para todo o sempre», os nomes de ruas que «já não correspondem a nada». Ainda assim, Modiano não se coíbe de fazer perguntas, mesmo que elas só o conduzam ao vazio, à incapacidade de imaginar o que terá feito Dora em fugas sucessivas, ou no quartel de Tourelles (em que esteve detida), ou no infame Campo de Drancy, enquanto esperava, com o pai, o comboio que os haveria de levar para Auschwitz.
Embora escassa, a informação recolhida permite-lhe o encontro com outras histórias de raparigas, homens e mulheres engolidos pelo torvelinho da guerra e do Holocausto. São fantasmas que a literatura consegue resgatar de uma «espessa camada de amnésia». E o maior de todos é Dora Bruder. É ela quem se ergue destas páginas em que paira a «ternura entristecida» de que falava Genet. Continuaremos a saber pouquíssimo, quase nada. Consola-se Modiano com a ideia de que restará sempre, da rapariga devorada pela História, o brilho de um segredo. O segredo do que foi enquanto sobreviveu a todos os horrores. «Um pobre e precioso segredo que os carrascos, os decretos, as autoridades ditas de Ocupação, (…) o tempo – tudo o que nos macula e nos destrói – não puderam roubar-lhe.»
Avaliação: 9/10
[Texto publicado na revista E, do semanário Expresso]